Por: Artur Pereira (@arturcap)
O tema “Crise Financeira” já foi exaustivamente debatido nas mais variadas mídias. Portanto, não traria muitas surpresas afirmar que as grandes empresas do mercado surf wear, foram diretamente afetadas pela tão falada crise e que as expectativas são desanimadoras para o curto prazo.
Esse fato teve um reflexo de queda no valor das ações de corporações como Volcom, Orange 21(SPY OPTIC), Billabong e Globe ou mesmo das gigantes do varejo surf wear norte americano, Pac Sun e Zumiez. Entretanto, o caso da Quiksilver é bem mais particular que de outros integrantes do mercado e sua situação só foi agravada com a atual conjuntura econômica.
Fundada em 1969, na lendária cidade de Turky (Austrália). Atualmente, a empresa é sediada em Huntington Beach, na Califórnia pelo motivo de o licenciado norte americano ter se tornado significativamente maior que a matriz australiana.
Quiksilver Inc é a holding detentora de nove marcas com destaque para Quiksilver, Roxy e DC Shoes Co (adquirida em Maio de 2004 por U$ 95,4 Milhões). Esta corporação foi considerada inovadora quando tornou-se a primeira empresa do segmento a “abrir capital” e consequentemente ser negociada na Bolsa de Valores de Nova York.
A organização é líder no mercado e está presente em mais de 90 países. Ela fechou o ano de 2008 com 691 lojas (aproximadamente 70% próprias) sendo 145 nas Américas, 414 na Europa e 132 na Ásia/Oceania. Destaca-se também a plataforma de e-commerce.
Segundo as demonstrações financeiras publicadas pela holding, as marcas Quiksilver, Roxy e especialmente a DC Shoes Co, obtiveram significativo crescimento nos últimos anos, apresentando bom desempenho perante a crise interna. O problema está relacionado à investimentos que se mostraram grandes equívocos. Analistas afirmam, que provavelmente a motivação para tais investimentos está ligada à pressão por crescimento que o mercado financeiro imprime sobre empresas de capital aberto.
Um desses equívocos foi identificado seguindo a norma da legislação contábil que requer a reavaliação do valor de todos ativos pelo menos uma vez ao ano. Em 2008 a Quik resolveu utilizar outros métodos para este procedimento e identificou que durante a aquisição dos distribuidores da Austrália e Japão em 2003 e de algumas lojas na Austrália em 2005 os ativos foram avaliados e comprados por U$55 Milhões acima do que realmente valiam. Por fim, essa quantia foi calculada como prejuízo em 2008. Sinceramente um fato como este é no mínimo muito curioso!
Mas sem dúvida, a compra da Rossignol foi “o capítulo financeiramente mais doloroso da história da companhia” como afirmou o CEO da Quiksilver Inc. Robert “Bob” McKnight, Jr.
A Rossignol é uma fabricante de esquis fundada em 1907 na cidade de Voiron na França e tornou-se líder de mercado em 1972. Ao longo de sua História os produto e atletas da Rossignol marcaram época e obtiveram status legendários. Consequentemente, a empresa ampliou sua linha oferecendo também botas, bindings e pranchas de snowboard.
O objetivo da Quiksilver Inc. era transformar o tradicional fabricante de equipamentos de inverno em uma marca para as quatro estações com uma proposta de oferecer o “lifestyle” da montanha e adotar o slogan “Pure Mountain Company”. A empresa também expandiu para segmentos de alpinismo, tracking e biking.
Infelizmente a história não foi tão simples como planejado, pois o mercado de esqui e snowboard tem enfrentando sérias dificuldades. Nos últimos invernos, o hemisfério Norte sofreu drasticamente com o aquecimento global e consequentemente a queda de neve nas estações de esqui, foi muito inferior aos registros históricos. O fato provocou péssimas condições para esquiar e desencorajou as vendas dos caríssimos equipamentos específicos para estes esportes.
Bob McKnight declarou ao final de 2007 que “sem dúvida a última temporada foi a pior que a indústria já passou, o que levou a uma queda de 20% no mercado, enquanto nós vimos as vendas de equipamentos da marca caírem U$100 milhões em comparação ao ano anterior” E também afirmou que a Cleveland Golf, que fez parte da aquisição da Rossignol, enfrentou um ano muito difícil no mercado de equipamentos para Golf. Falando na Cleveland Golf, ela passou a ser controlada pelo grupo japonês SRI Sports Limited (outubro de 2007) por U$132.5 millões em uma transação assessorada pelo famoso banco JP Morgan. Já a Rossignol que foi adquirida por U$ 305 Milhões em Junho de 2005 (Fonte: Quiksilver annual Report 2005), foi vendida em novembro de 2008 por “apenas” U$ 40 Milhões (fonte: Transworld Biz).
Porém a venda da Rossignol, não foi suficiente para quitar todas as dívidas e menos ainda dissipar as más notícias. Os resultados publicados no 1 trimestre fiscal de 2009 foram negativos. A receita operacional caiu 11% em comparação com o período anterior (U$ 443,3 Mi em 2009; U$ 496,6 Mi em 2008) , fato que influenciou no prejuízo trimestral de U$ 65,9 Milhões, contra o lucro de U$ 7,6 Mi obtido nos três primeiros meses de 2008. (Fonte: Quiksilver, Inc. Reports Fiscal 2009 First Quarter Financial Results)
Para se ter uma ideia de como esta informações são interpretadas pelo mercado, Julho de 2005 foi quando a cotação das ações atingiu seu teto valendo U$16,79. Três anos depois, em julho de 2008 o preço já chegou a menos da metade (U$ 7,67). Este ano a situação está bem mais complicada, em março a cotação beirou U$ 0,90 por ação e a agência Moody’s classificando os papéis da empresa como “junk-bond”.
Esses dados são as representações numéricas das expectativas que o mercado financeiro tem para o futuro de uma companhia que fechou o ano fiscal de 2008 com débito superior à U$1,1 Bi.
Diante deste cenário, algumas medidas foram tomadas na intenção de uma reverção. Com a finalidade de reduzir custos, em janeiro deste ano 200 postos de trabalho foram cortados, sendo 150 demissões e as outras 50 posições relacionadas a contratações que já haviam sido aprovadas pelo orçamento, mas não foram preenchidas. Do contingente demitido 20% está ligado a cargos gerenciais ou níveis superiores. Este corte pode levar a uma economia de U$ 40 Milhões por ano.
Enquanto isso a concorrência vai contratando os principais talentos desperdiçados. O principal exemplo foi de Bill Bussiere Ex-diretor financeiro que agora trabalha no “La Jolla Group” (O’Neill, Lost, Rusty) como presidente e CFO. Outras demissões que causaram muita repercussões foram de Carol Christopherson presidente da Roxy desde 2000 e Marty Samuels que passou 12 anos na empresa e estava no cargo de presidente das operações norte americanas.
Ainda em janeiro deste ano, a empresa divulgou uma nota informando a redução de 5% no salário dos principais executivos e um corte ainda maior (16%) no salário do CEO Bob McKnight que a partir de agora receberá U$903,000 por ano. Vale ressaltar que em fevereiro de 2008 já havia vigorado uma restruturação que incluiu redução dos salários dos principais executivos e resultou em uma economia de U$ 35 Milhões.
Entre todas esta notícias, o que mais surpreende é a naturalidade que o CEO apresenta as demissões como se essas pessoas fossem desnecessárias. Ninguém fala sobre a falta que elas podem fazer, ou apresenta algum plano para reduzir o impacto.
Além do corte de pessoal, a empresa vem trabalhando no sentido de renegociar sua estrutura deficitária (superior a 1,1 bilhão de doláres). Essas negociações tem evoluído, de forma positiva para a Quik, um bom exemplo disso, foi quando finaciadores europeus prorrogaram em 3 meses o pagamento de uma linha de crédito no valor de 55 milhões de euros.
Recentemente foi divulgado pela “Reuters” (agencia de notícias sobre o mercado financeiro), que o banco de investimentos “Peter J. Salomão” foi contratado para assessorar as negociações das dívidas e também, ajudar a encontrar um investidor interessado em adquirir uma significativa participação acionária, fato que serviria como injeção de capital.
Especula-se também sobe a possível aquisição da empresa pela Nike (proprietária da Hurley, Converse, Nike 6.0, Nike SB e outras) ou pela VF Corp. (Holding detentora de 25 marcas entre elas, The North Face, Vans, Reef, Kipling, Lee, Wrangler, Jansport, Nautica). O CEO da VF Corp afirmou que existe interesse em aquisições, pois eles estão em uma posição confortável nos aspectos ligados à finanças e administrativo. Já a Nike não comenta o assunto.
Muita coisa também tem sido dita sobre a venda apenas da DC Shoes, que tem seu valor estimado em U$ 530 Milhões, fato que ajudaria a reduzir as dívidas. A principal interessada na aquisição é a própria VF Corp. Mas como é de costume, este tipo de negociação normalmente ocorre longe dos holofotes.
Dificuldades financeiras a parte, o que percebe-se é que a conjuntura não tem alterado o valor que a marca criou na mente de milhões de consumidores ao redor do planeta (mesmo porque a maioria nem sabe o que está se passando). Em meio a tantas notícias ruins, as atuais recomendações de compra das ações do grupo, podem ser encaradas como a confiança que o mercado tem na capacidade da diretoria para conduzir a situação. Quem sabe interpretar como uma esperança por dias melhores.